Por FoodColab*
“Sempre tive uma conexão muito grande com chocolate amargo e hoje reconheço o cacau como um alimento de Poder.” É assim que Luizza Santiago, bióloga e proprietária da Kalāpa – empresa de chocolates feitos a partir da amêndoa do cacau – começa essa entrevista. A ideia de montar a empresa surgiu depois de ela fazer um curso em dezembro de 2016, quando aprendeu a fazer chocolate sob o conceito ‘do cacau à barra/bean-to-bar’. “O processo me preencheu de amor e entusiasmo. Ainda no curso, refleti sobre como eu gostaria de compartilhar aquilo com as pessoas e, a partir daí, a vida se encaminhou de forma que em pouco tempo a Kalāpa se materializou”, conta Luizza.
Na produção da fazedora de chocolate, além de cacau, não faltam palavras de ordem como missão, talento, compartilhamento, planejamento. Mas um dos principais diferenciais que a bióloga emprega em toda a sua produção é a perspectiva holística. “Hoje vejo o ‘fazer chocolate’ como minha missão na Terra – é uma ciência que admiro, um talento que tenho e quero compartilhar. Durante a produção, levo minha atenção para o ‘antes’ do meu produto, para o ‘se transformando’ em meu produto e para o ‘pós-venda’.”
Ela diz carregar a consciência de que, seja qual for a matéria-prima utilizada, tal ingrediente tem uma história que envolve a Terra e implica o trabalho de outras pessoas. “E, somente conhecendo todo esse histórico, poderei de fato caminhar para uma produção sustentável. Além disso, só conhecendo esse background, posso atuar com mais presença, pois tenho mais intimidade com os itens com os quais estou trabalhando e isso, de acordo com minhas crenças e experiências, permite que o processo de produção flua de forma mais natural”, filosofa.
MUDANÇA DE PARADIGMAS
Para Luizza Santiago está havendo um grande despertar acerca do universo da alimentação, o que, consequentemente, acabou criando e incentivando um crescimento contínuo de um setor do mercado que atenda a essas novas concepções. “Cada vez mais pessoas estão desfazendo a visão do alimento apenas com viés nutricional ou experiência gustativa. As esferas social, ambiental e espiritual estão pouco a pouco sendo agregadas à dimensão da alimentação pelo público em geral. Imagino que tal demanda vá crescer e que a, oferta para atendê-la, aumentar e se democratizar”, opina.
Para a bióloga, a agroecologia, com sua ciência e democracia, pode ser a força motriz e mantenedora neste novo cenário. No entanto, a pequena empresária pondera que, como essas novas concepções já foram transformadas em produtos pela grande indústria, é possível que surja um mercado que “falsamente atenda” às demandas, por meio de práticas semelhantes à da ‘maquiagem verde’. “Ainda assim, acredito que haverá um fortalecimento da cultura de valorização da economia local (não somente no ramo alimentar) e que esta contribuirá para que a transição agroecológica de fato se estabeleça.”
OLHAR CIENTÍFICO
O tema alimentação entrou na vida de Luizza Santiago há cerca de nove anos. Ela conta que sempre teve um olhar científico para a questão alimentar, com interesse em estudos de química e biologia. Mas foi ao dar um passo a mais nessa direção, quando passou a cozinhar de verdade e se envolveu em capacitação, por meio de cursos sobre chocolate, que ela passou a ter contato mais aprofundado com o tema e se viu dedicada totalmente ao chocolate.
“Durante minha graduação, me envolvi intensamente com pesquisa em ecologia aplicada e no início da minha segunda graduação apareceu o chocolate, que me levou a abandonar o curso. Tive ricas vivências em áreas de produção de cacau na Bahia, aprendi e aprendo muito com outros produtores de chocolate (felizmente é um ramo bem colaborativo) e sempre busco estudos científicos da área. Mas o principal canal de cultivo e expansão da sabedoria é a minha prática de fazer chocolate, aliada à meditação”, revela.
No dia a dia da Kalāpa, Luizza diz pensar muito no consumidor, mas seu maior foco é mostrar a quem compra suas barrinhas de chocolate a beleza do processo de produção, que é pouco conhecido. “No geral, sempre menciono que o cacau passa por um processo de fermentação, que compro as amêndoas de um permacultor da Bahia e cito os processos que executo, desde a torra, o descasque, refino e conchagem, maturação, cristalização, moldagem e confecção das embalagens. E tenho a certeza de que enquanto falo sobre tudo isso, transmito às pessoas todo o amor que tenho pelo que faço – qualquer um que me ouve tem essa percepção”, diz, orgulhosa.
SUSTENTABILIDADE NO PROCESSO
A produção da Kalāpa é em Lavras, no interior de Minas, mas em breve estará de mudança para Belo Horizonte. O pequeno negócio é desenvolvido e administrado somente por Luizza, que ainda não se associou a cooperativas ou grupos. “Acredito que determinadas associações têm potencial para agregar bastante ao meu negócio, porém não no estágio atual, pois minha produção ainda é muito pequena”, observa.
Da compra da matéria-prima aos resíduos da produção, a Kalāpa tenta ser ao máximo uma microempresa sustentável. Para isso, Luizza busca fortalecer seus valores e conhecimentos nos quais acredita para colocar em prática no seu negócio. Ela só compra cacau de pequenos produtores, cuja produção está inserida no sistema de base agroecológica. “Quando não é possível utilizar matéria-prima agroecológica (como é o caso do açúcar), opto pela orgânica”, diz.
As embalagens das barras de chocolate são feitas com papel reciclado artesanal (fruto de um projeto social) e, em todo o processo, a fazedora busca não gerar resíduos plásticos. “Até o momento, essas são as principais questões que têm minha atenção”, comenta Luizza.
Os canais de venda da Kalāpa são, basicamente, as redes sociais e feiras de alimentação consciente. A meta de Luizza é iniciar a revenda de seus produtos em lojas a partir de julho.
PLANOS
As metas de Luizza para si e para a Kalāpa, em 2018, são ousadas. Além da mudança para Beagá, ela pretende aumentar a capacidade produtiva da empresa. “Quero estar mais presente nas iniciativas de valorização de comércio local que ocorrem na cidade, ampliando meus canais de venda e a cultura do chocolate ‘do cacau à barra’”. Estruturar um plano de negócios para a Kalāpa e participar de dois festivais na área, na Bahia e em São Paulo, são metas importantes também. Ampliar a linha de barras de chocolate, diversificar a produção e promover degustações de chocolates artesanais brasileiros em BH estão em sua lista! “A Kalāpa ainda será minha fonte de renda principal”, aposta. E ela vai conseguir.
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* Essa reportagem é a segunda de uma série realizada pelo FoodColab em parceira com a Feira Fresca. O FoodColab é uma plataforma colaborativa sobre alimentos, sustentabilidade e inovação, dedicada a gerar conteúdo, conexões e negócios. A Feira Fresca é uma iniciativa que reúne em média 25 produtores de alimentos e ocorre semanalmente em Belo Horizonte (MG).
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