*Foto: Luiza Bongir
Bem no meio da Serra, um tradicional bairro em Belo Horizonte, está a fabriqueta da Madre Pães Artesanais. Distante da rua por um portão estreito, com um pequeno jardim para os momentos de descanso, a casa de produção é pontual: banheiro, cozinha, estoque, quarto para as massas e quarto para os fornos. Pequena e super aconchegante, como imaginamos que a casa que abriga tantas delícias deveria ser.
Mal chegamos a Cris já foi nos entregando as toucas – descobrimos empolgadas que íamos assistir ao processo de confecção de uma bela fornada! Ao entrarmos na casa, encontramos o estoque, e já de cara descobrimos que segredo de um bom pão começa pelos ingredientes. Tudo é fresco e selecionado pela padeira tomando muito cuidado com sua procedência. A farinha ela faz questão que seja orgânica e os legumes, que integram os pães de abóbora, batata doce, dentre vários outros, também. Cris conta que trabalha em parceria com o produtor de hortifruti Vista Alegre para utilizar ao máximo os produtos da estação e criar pães únicos, saborosíssimos e limitados ao período certo de colheita. Tudo é pesado, medido, e colocado com tempo e precisão. Os anos de prática permitem a padeira conhecer a massa e saber se é hora de colocar mais água ou por quanto mais tempo a massa precisa descansar.
Enquanto batia a massa, Cristina nos contou mais sobre sua história e o caminho até ali. Com formação em advocacia, ela trabalhava há mais de 15 anos na área de defesa do meio ambiente no Ministério Público. Nesse tempo ganhou muitas lutas, mas nos últimos tempos, começou a ver um retrocesso em relação a legislação ambiental, inclusive em relação a aprovação de empreendimentos não sustentáveis. Justamente por ser tão apaixonada pelo seu trabalho, a Cris preferiu se afastar. Incentivada pelo marido começou a correr atrás dos seus hobbies. Em 2015 foi para São Paulo fazer um curso de uma semana de panificação e se entusiasmou, a partir dai fez curso de fermentação natural para aprimorar seus pães caseiros.
Depois de muitos erros e muitos acertos, descobriu uma nova paixão. Cris teve muito apoio da família para seguir esse novo caminho e depois de pensar e estudar, decidiu pedir exoneração do cargo. Foi pra São Paulo fazer um curso profissional, consolidou ainda mais a ideia, e partiu pra meca da fermentação natural, São Francisco, pra entender ainda mais sobre esse belo processo. Trabalhou numa padaria de fermentação natural na Itália e quando voltou, em agosto de 2016, decidiu abrir a sua própria padaria, a Madre Pães Artesanais.
O desafio da padaria veio com grandes dificuldades e muito aprendizado. Ser empreendedor não é fácil e Cris teve que descobrir como fazer controle de estoque, financeiro, administrativo, logística de entrega, e principalmente como deixar de ser funcionária para ser dona do seu próprio negócio. Hoje ocupa multi funções além de carregar sacos e sacos de farinha, mas apesar de ser a única funcionária, gerente, e faz tudo, conta com o braço do marido que após cumprir sua carga horária como dono do seu próprio negócio, vai para o terceiro turno na Madre, ajudar a Cris a construir esse sonho. Sua irmã virou sua padeira freelancer e entra na cozinha toda vez que a produção aumenta ou no “burguerday” como eles brincam na madre.
O dia de fazer pão de hambúrguer para atender o seus restaurantes clientes, é muito intenso, já que a Madre é uma micro padaria artesanal e não possui os equipamentos que as grandes padarias possuem para produção. Existe inclusive uma certa resistência do tipo de pão que ela produz, de fermentação natural, à esse tipo de equipamento industrial. A sua massa, uma massa mais hidratada, é muito sensível e precisa ser trabalhada na mão.
O universo dos pães é incrível, e as qualidade conferidas a eles é moldada conforme cada um dos ingredientes que complementam essa alquimia. A fermentação a frio, é mais complexa e saudável, garantindo um processo de quebra de proteína e geração de probióticos, o que torna a digestão desses pães mais fáceis. O levain garante ao pão uma certa acidez que ajuda na conservação do pão e umidade da massa. A farinha da Madre também é outro diferencial, ela é orgânica, com uma moagem mais rústica e não passa pelo processo de refinamento usado na maioria das farinhas para atender um padrão estético do pão branquinho. Cris defende que o pão bonito não é o pão branco e sim o pão saudável com fibras, gérmen, sabor e muito valor nutricional.
Brincando um pouco com essa peculiariadade do universo dos pães, a Madre criou o Beagá Sourdough inspirado no pão feito em São Francisco, o São Francisco Sourdough. Sourdough, com tradução literal de massa azeda, nada mais é que um pão de fermentação natural. Cris então nos explica uma questão básica da fermentação natural: “Um pão é feito do que você da pra ele comer, beber, o ar que ele respira e onde ele tá então não adianta nada trazer um fermento, um levain de São Francisco pra usar aqui e falar que o pão é igual ao de São Francisco. A partir do momento que ele é alimentado com a minha farinha, respira o ar de belo horizonte e bebe a água que eu dou pra ele, ele vai virar um fermento daqui, um fermento próprio da nossa região, e o Begá Sourdogh brinca justamente com isso, um pão produzido em Belo Horizonte e que possui características únicas.”
Na sexta-feira é dia de fornada na Madre e os clientes podem ir buscar na fabriqueta os pães que foram encomendados até quinta-feira via whatsapp e redes sociais. Esse é o dia de celebrar os pães fresquinhos recém saídos do forno, uma mesa é montada com azeite, sardela e pães dos mais diferentes para quem quiser experimentar e conhecer um pouco mais da produção dessa pequena e grandiosa padaria.